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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Que fazer com a Alemanha?

Há alguns incompetentes, mas poucos inocentes.
(...) Durão Barroso, veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas estruturais” — descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. 
Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República.

Durão Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos dirigentes europeus.(...)
Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico.
(...) como é que as agências de notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente.
Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra.
E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.

Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos.
O que podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos, nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante série de traficâncias que de há muito — de há muito! — se sabia existirem no BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros?

O que poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais favoravelmente?

O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre comido por parvo?

A troika quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva — sim, retroactiva — que declare a nulidade e renegociação de todos os contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9% sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o Estado. Eu conheço vários.

Quer outra reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização, para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a financiar aos grupos amigos.

Miguel Sousa Tavares escreveu este artigo.
Foi publicado no jornal Expresso um destes dias.