A partir de amanhã, haja convulsão mansa
no PSD, ou forte no PS, acabarão por milagre as pontes, túneis e
medicamentos gratuitos, que ninguém fará, nem pode fazer, e vai começar o
discurso puro e duro da violência social contra quem tem salários
minimamente decentes, quem tem emprego no Estado, quem recebe prestações
sociais, quem precisa de serviços de saúde, quem quer educar os seus
filhos na universidade, quem quer viver uma vida minimamente decente,
quem quer suportar uma pequena empresa, quem paga, com todas as
dificuldades, a sua renda, o seu empréstimo.
O que nos vai ser
dito, com toda a brutalidade, é que os nossos credores entendem que
ainda não estamos suficientemente pobres para o seu critério do que deve
ser Portugal. Apenas isto: vocês ganham muito mais do que deviam, não
podem ser despedidos à vontade, têm mais saúde e educação do que
deveriam ter, trabalham muito menos do que deviam, vivem num paraíso à
custa do dinheiro que vos emprestamos e, por isso, se não mudam a bem
mudam a mal. Isto será dito pelos mandantes. E isto vai ser repetido
pelos mandados da
troika, sob a forma de não há "alternativa"
senão fazer o que eles querem. Haver há, mas nunca ninguém as quer
discutir, quer quanto à saída do euro, quer quanto à distribuição
desigual dos sacrifícios, de modo a deixar em paz os mecânicos de
automóveis e as cabeleireiras e olhar para os que se "esquecem" de
declarar milhões de euros, mas isso não se discute.
Por que é que,
dois anos depois de duros sacrifícios, estamos pior do que à data do
memorando, por que é que nenhum objectivo do memorando foi atingido, por
que é que o Governo falhou todos os valores do défice e da dívida,
porque é que o desespero é hoje maior, a impotência mais raivosa, o
espaço de manobra menor, isso ninguém nos explicará do lado do poder.
Vai haver um enorme atirar de culpas, à
troika, do PSD ao CDS ao
PS, à ingovernabilidade atávica dos portugueses, aos sindicatos
comunistas, aos juízes conservadores do Tribunal Constitucional, e o ar
ficará denso de palavras de raiva e impotência. Mas "vamos no bom
caminho", dirá o demónio de serviço à barca do Inferno. Depois de amanhã
ouviremos essas palavras.
Artigo transcrito do blogue ABRUPTO.
Autor: José Pacheco Pereira